Estamos tão acostumados a ver certas coisas e a virar a cabeça para evitar enxergar coisas desagradáveis, que algumas cenas, pela impossibilidade de evita-las, são mais chocantes, como retratos que são desse nosso mundo de negócios, lucros e consumo.
Num fim de semana em que a maior loteria do país sorteou um prêmio deveras atraente, em que quase todos que tiveram a chance de arriscar uma aposta, o fizeram sonhando enriquecer, ao entrar numa agência bancária para retirar dinheiro e correr para fazer também as minhas apostas, dou de cara com uma senhora, magra, já idosa, sentada dentro da sala de auto-atendimento, pedindo esmola. Se a cena é inusitada, pela senhora ter tido a idéia de aproveitar um pouquinho dor ar-condicionado reservado aos clientes e fugir do calor do lado de fora, chocante realmente para mim foi o fato de que não ter dado dinheiro para ela, que lá ficou mendigando mais que uns míseros trocados, mas sim atenção de um sistema que não nos considera como indivíduos únicos e valiosos por nossas qualidades e particularidades, um sistema para o qual somos apenas e tão somente ferramentas, operários que, se devidamente qualificados, encontram um lugar de relativo conforto, até que não serem mais necessários.
Talvez eu seja hipócrita ao apontar as falhas desse sistema sem tentar modificar essa situação, mas me pergunto se antes de tomar alguma atitude, não é necessário primeiro ficar chocado com toda a situação, indignado com a crueldade dessas engrenagens que giram sem parar, azeitadas com o suor e o sangue de nossas vidas. Mas que atitude tomar? Quem pode ser capaz de influenciar todo um sistema a encontrar formas mais dignas de tratar os seres humanos? Será que nós estamos preparados para aceitar mudanças radicais na estrutura social que permitam uma valorização das pessoas e uma distribuição mais justa de renda? Há esperança de que essa estrutura baseada no consumo tenha a possibilidade de acolher os que ainda permanecem fora da sociedade de marcas, mesmo sabendo que essa estrutura pautada no consumo está fadada a entrar em colapso pelo fim das matérias primas?
Eu penso, penso e não consigo chegar a conclusões otimistas sobre o assunto.
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